paRAPensar - Ricos e Democracia no Brasil
Aqui os ricos vivem muito bem.
Sabemos que se formos a qualquer cidade brasileira, veremos segmentos sociais que participam de um alto padrão de consumo. Há bairros de qualquer cidade brasileira onde há casas com garagem com 4, 5 carros, cada membro da família tem um automóvel. Há casas compatíveis com padrão hollywoodiano de habitação.
Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os ricos não pagam impostos. E lá não existe como aqui, essa massa de serviçais. É manicure, empregados domésticos, cortador de grama, faxineira, auxiliar, ou seja, um exército de prestadores de serviço. No Brasil, as famílias de classe média e ricas têm, em média, 13 serviçais à sua disposição. São 13, no mínimo, ou seja, são mais de 20 milhões de pessoas que constituem esse exército com remuneração extremamente baixa. Por que é possível ir para uma churrascaria, uma pizzaria no Brasil e comer de forma extravagante pagando preços baixos? Porque aqueles que lá trabalham, o pizzaiolo, o churrasqueiro têm remunerações extremamente baixas. O que chama a atenção é que viabilizar e internalizar esse padrão de consumo é somente possível com uma brutal concentração de renda, que tira dos pobres e dá para os ricos e com um Estado que se organizou para atender fundamentalmente os ricos, o andar de cima da sociedade, como dizia Milton Santos.
Esse andar se cima tem tudo. Tem banco público, tem sistema de tecnologia, tem compras públicas, tem o rap comercial, suas músicas, seus artistas, seu sistema, ou seja, montou-se uma estrutura para sustentar os de cima. Isso não é uma experiência exclusivamente brasileira, mas talvez chegamos a maior sofisticação.
Democracia em meio ao capitalismo, que não quer mais só o nosso coração, quer nosso cérebro.
Democracia não é falar mal do governador, do presidente, falar de qualquer coisa. Democracia é a construção de convergências, de projetos estruturantes, revolução, questionamento, não-passividade. O desafio que temos é enorme. A democracia nos dá essa condição. Não é mais o FMI, a ditadura que nos impossibilita de praticarmos o novo. Quem nos impossibilita de praticarmos o novo. Quem está impossibilitando somos nós mesmos, dada a nossa incapacidade de construirmos divergências, críticas, lutas. Chamemos a atenção que a crise não é só destruição, mas uma oportunidade de construção de algo superior. Ela abre perspectiva do enfraquecimento da dominação política que antes moldava o mundo, ou seja, abre a possibilidade de construção de um novo padrão civilizatório.
Uma das principais funções das escolas dos ricos por exemplo, da elite é construir com as crianças individualmente, seu projeto de vida. Para quem vai viver 100 anos terá dormido 30 anos. Na sociedade do conhecimento que é a do capitalismo, não há razão alguma que as pessoas comecem a trabalhar antes dos 25 anos de idade. Não é a sociedade da informação? Por que começa a trabalhar cedo, antes de ter completado a universidade? E isso já existe no Brasil, mas para os ricos. Dificilmente vamos encontrar um filho de rico que tenha começado trabalhar antes dos 25 anos de idade, depois de ter completado a universidade, ter feito MBA, ter estudado fora do país. Somente no Brasil os filhos de pobres estão condenados a trabalhar sempre. Eles querem dar trabalho para os filhos dos pobres, não querem dar educação.
As ações de educação são todas voltadas para o mercado de trabalho. Os filhos dos pobres começam a trabalhar muito cedo, eles não estudam e vão ocupar os piores postos do mercado brasileiro. Temos República no Brasil? Não temos República, nada. República significa igualdade de oportunidades, e se há os que começam a trabalhar com 13 anos de idade e outros só depois dos 25, não há igualdade de oportunidade. Os filhos dos ricos vão começar depois e ocupar os principais postos do mercado de trabalho, seja no setor público, seja no privado. O mercado de trabalho reproduz a desigualdade. Os filhos dos pobres continuarão sendo pobres e os filhos dos ricos continuarão sendo ricos.
Por: Looh, com adaptações da entrevista de Márcio Pochmann (O mercado de trabalho reproduz a desigualdade, Revista Caros Amigos, número 149, Agosto de 2009), economista da Unicamp.