paRAPensar
O RAP como formador de opinião, certamente abre nossas mentes ao interesse de inúmeros assuntos. Sabemos ainda, que o Hip Hop facilita o diálogo com a juventude ao abordar temas como Direitos Humanos.
Desenvolver uma prática social solidária e participativa é um imperativo ético para aqueles que acreditam no ser humano, que aspiram por um mundo de Paz, Justiça e Fraternidade. Preocupados com a crise sombria em que vivemos, sentimos todos o dever de buscar algo maior que dê sentido de luta para a vida, e sentido à nossa esperança.
Há muita coisa positiva sendo feita. É um desafio discernirmos as sementes de esperança já plantadas e já dando frutos. São sementes fundamentais da pessoa humana, o clamor contra as várias formas de injustiças, a sensibilidade pela situação de miséria. Cada um tem um papel e uma responsabilidade mas é preciso que todos sejamos semeadores de Esperança.
Temos o dever de lutar pela fraternidade, esquecida do mundo de hoje, pela solidariedade entre os povos, pela tolerância entre as pessoas, pelo desarmamento das mentes e dos corações, pela aceitação do outro, diferente mas igual, sempre nosso irmão. Não importa que estas belas idéias sejam um trabalho a longo prazo. Sem utopias, a vida não vale a pena ser vivida.
Margarida Genevois
No Brasil de hoje, fala-se muito em Direitos Humanos; tornou-se politicamente correto mencioná-los. No entanto, há pouco mais de 15 anos, abordar os Direitos Humanos em nosso país era considerado subversão, os seus divulgadores eram mal vistos e até execrados como “defensores de bandidos”.
Mesmo depois do fim da ditadura militar e do restabelecimento da democracia, certos setores da sociedade ainda encaram com desconfiança aqueles que defendem os Direitos Humanos.
Alguns policiais ainda afirmam: “Fazemos um esforço enorme para prender um criminoso e quando o fazemos, os ‘Direitos Humanos’ atrapalham tudo pois não permitem torturar e bater”.
A deturpação do significado dos Direitos Humanos era proposital por parte de grupos de extrema direita, aos quais interessava a consolidação do status quo e do autoritarismo. Estas facções exploravam o medo da violência crescente e sobretudo a tomada de consciência das classes populares esmagadas ao longo de 21 anos de ditadura.
A acirrada incompreensão e a campanha contra os Direitos Humanos provêm do desconhecimento daquilo que eles representam ou até mesmo de posições egoístas dos interessados em manter situações de privilégios. No entanto, eles interessam a todos e a cada um em particular. Sem respeito aos Direitos Humanos, não pode haver sociedade justa, tampouco democracia sólida.
Direito, no Brasil, sempre foi um conceito vago, que significou privilégios para alguns. Em seus 500 anos de história, foi o autoritarismo e não o Direito, que permeou as relações na sociedade e entre ela e o Estado. A finalidade da colonização foi o enriquecimento europeu com a exploração predatória de recursos naturais, como o pau-brasil e o ouro – e de seus recursos humanos – a mão-de-obra indígena e a negra. A escravidão, durante três séculos, forneceu mão-de-obra barata e fortaleceu o autoritarismo. Para a maioria da classe dominante, o escravo era um objeto sem necessidades nem quaisquer direitos.
O dono do escravo podia conceder-lhe regalias por mera generosidade, e não como direito ou respeito à dignidade de sua pessoa. O escravo não era nem cidadão de segunda classe como eram consideradas mulheres, por exemplo, mas meros instrumentos, cujo destino era o trabalho a serviço dos mais poderosos.
As populações do campo, isoladas em imensas extensões de terra e que também dependiam diretamente dos donos do poder, não cogitavam em exigir direitos mas ansiavam por dádivas e favores. A elite, única considerada capaz de dirigir a nação e de estabelecer a ordem, forjava leis que defendiam, antes de mais nada, os seus próprios interesses.
O trabalho, sutilmente, era considerado desprezível, sobretudo o trabalho manual. O preconceito vinha disfarçado e diluído em sentimentos de generosidade, calcados numa idéia de superioridade. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão; e ela deixou marcas profundas na cultura do país. Nesta sociedade hierarquizada, dissimulada por uma ideologia de conciliação, “Direito” era sinônimo de privilégios que não alcançavam a maioria.
Com a República, a situação mudou apenas na teoria. No início do século, as greves eram tidas como “um acinte” e as questões sociais, uma “questão de polícia”. Ocorreram progressos mas ainda perdura no povo, a idéia de que tudo se deve esperar do governo particularmente favores e na relação Estado/sociedade, ainda permeiam os critérios do paternalismo e clientelismo.
Quando no Brasil dos anos 60 a população começou a exigir direitos, os militares impuseram “ordem” e, inspirados na Doutrina da Segurança Nacional, instalaram uma ditadura que durou 22 anos. Com lutas, sacrifício e dor, a sociedade conquistou as eleições diretas e o sufrágio universal. Mas os direitos sociais ainda não estão em vigor.
AMÉRICA LATINA
A história vivida pelo povo brasileiro é basicamente a mesma de todos os povos da América Latina. Alguns países, mais do que o Brasil, foram submetidos a episódios ainda mais graves: genocídio de índios, revoluções sangrentas e ditaduras cruéis (100 mil mortos e desaparecidos na Guatemala e América Central, nos últimos 15 anos; 30 mil no Chile, Argentina e Uruguai, durante as suas ditaduras militares) como atestam os relatórios da instituição American Watch.
Paralelamente, cresce a pobreza no continente americano. Ela atinge hoje, quase a metade da população latina, o que representa cerca de 460 milhões de pessoas. Desde as reformas que frearam as hiper inflações na Argentina, México e Brasil, o número de pobres aumentou em 60 milhões. O desemprego, fruto do neo-liberalismo globalizante, aumentou. Os diretos sociais como o da habitação, saúde e educação, continuam precários.
A violência disseminada leva ao preconceito difuso de que o inimigo agora é o pobre, perigoso porque incomoda com sua presença feia e degradante, que a qualquer momento pode revoltar-se e tornar-se violento. O pobre tende a se transformar num ente perigoso, temido; a sua identidade está cada vez mais relacionada com o bandido, o marginal. “Os excluídos, na terminologia dos anos 90, não são residuais nem temporários, mas contingentes populacionais crescentes que, não encontrando espaço no mercado, vagueiam pela cidade, sem emprego e sem teto”, como afirma Elimar Pinheiro Nascimento.
A pobreza, resultado do apartheid social num país onde convivem um primeiro e um quarto mundo é fruto, no Brasil, da segunda maior concentração de renda do mundo. Mas esta acentuada concentração de rendas está disseminada por todo o continente.
O relatório de 1997, da American Watch por exemplo, denuncia freqüentes e graves violações de Direitos Humanos na Colômbia, onde grupos militares, para-militares, guerrilheiros e traficantes degladiam-se dizimando a população civil. Na Colômbia, a percentagem de pobres subiu para 49% da população; este índice passou de 15 para 17 milhões, em 2 anos. A história daquele país é um rosário de violências de todos os tipos: desde a proclamação da República, houve 40 revoluções; a guerra interna, entre 1948 e 1953, matou 300 mil pessoas; as guerrilhas, surgidas no começo dos anos 60, persistem atuantes até hoje. No México, aconteceram e acontecem perseguições nas áreas rurais, desaparecimentos e assassinatos.
Os zapatistas continuam a mostrar ao mundo o verdadeiro país; entre 1994 e 1996, a cifra dos desaparecidos passou de 1300. Nem o México, nem o Peru, nem o Chile, três países que se manifestaram oficialmente como discípulos triunfantes do ajuste neo-liberal, superaram a miséria, a violência e a indignação popular. A Guatemala que assinou há poucos meses, um tratado de paz, depois de anos de guerras fratricidas, poderá esquecer as dezenas de milhares de torturados, desaparecidos, assassinados, os 70% da população indígena eliminados? No Peru e na Venezuela, a tortura é empregada oficial e abertamente contra terroristas e criminosos comuns. A pobreza endêmica, a marginalização, o desemprego, o porte ilegal de armas, o tráfico de drogas, são problemas preocupantes para todos os países da América-Latina.
Nas prisões de todo o continente, milhares de presos vivem em condições degradantes, muitos sem julgamento. No Brasil, os massacres de Corumbiara, Carandiru, Candelária, Eldorado, Diadema, Cidade de Deus e muitos outros, que nos envergonham, ainda permanecem impunes. A leitura do relatório da American Watch que analisa a vigência dos Direitos Humanos na América Latina, evidencia que há muito por fazer. Seqüestros, assassinatos, torturas, execuções sumárias, corrupção, tráfico de drogas, prisões desumanas: esta sucessão de dramas aberrantes, agravados pela impunidade que os dilui, acabam no esquecimento. Todos estes problemas não aconteceram num passado longínquo, mas são fatos do presente, estão acontecendo nos dias atuais. Basta lembrar o assassinato do Bispo Juan Gerardi, baleado em El Salvador, em 26 de abril deste ano, dois dias depois de ter divulgado um documento denunciando as execuções e prisões arbitrárias dos últimos anos em seu país. Diante de um quadro tão sombrio da situação da América Latina e do Brasil, o que podemos fazer, nós, cidadãos conscientes, preocupados com a justiça e o Bem-Comum? Evidentemente não existem fórmulas nem respostas prontas. O primeiro grande passo é a preocupação com estas questões.
As soluções virão com o interesse e a participação de todos. Porém, a tomada de consciência da responsabilidade social de cada um não nasce gratuitamente na nossa sociedade egoísta, individualista e consumista. Daí a importância da educação e particularmente da Educação em Direitos Humanos. Há 26 anos, a Comissão Justiça e Paz de São Paulo luta contra injustiças, participando no Brasil de todas as lutas populares de apoio e defesa dos presos políticos, pela Anistia, contra a Doutrina de Segurança Nacional, pela Constituinte, contra a pena de morte, sempre na primeira linha de defesa pela justiça e em prol dos perseguidos. Também atuou junto a refugiados latino-americanos, fugitivos das ditaduras vizinhas, do Chile, Uruguai e Argentina, mais de mil passaram por seus escritórios.
A partir da fundação desta Comissão, muitas outras organizações, com preocupações específicas, foram surgindo. Com a volta do Estado democrático, a responsabilidade evoluiu e compreendemos que não bastam existirem eleições livres e não bastam leis justas, se elas não forem reconhecidas e respeitadas. Não é suficiente que os governos eleitos democraticamente tenham boas intenções se não existir espírito cívico e participação popular. É preciso que o povo conheça seus Direitos e deveres, é preciso EDUCAÇÃO. Em contato com várias Organizações Não-Governamentais da América Latina, constatamos que o trabalho mais útil a ser feito era o de Educação em Direitos Humanos. Um trabalho baseado no diálogo, em que todos os envolvidos são considerados sujeitos.
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